TOSTAS MISTAS ou: partilhando lençóis com o bastardo do homem que vendeu a alma

- Maria, porque abandonaste tu os estudos?

- Suponho que podia ter aprendido o Teorema de Pitágoras para cortar as tostas mistas em triângulos perfeitos – exclamou Maria em tom de gozo – mas pela altura em que conseguisse realizar os cálculos todos, as tostas já estariam frias.

Nós, moscas, temos uma aptidão de espionagem invejável. Pairo por cima do calor irradiado por um par de corpos nus. No entanto, não sou detectado. Embora seja um espécimen formidável da mosca comum, Deus proíbe-me de chegar ao ponto de possuir aptidões paranormais ao ponto de ler mentes. Mas já andei por essas bandas; já fui jovem e despreocupado e mirabolante. Maria da Luz não esconde uma expressão sonolenta cosida na cara. Ela sente uma palma da mão morna no estômago que embalava a sua consciência. Fausto, por outro lado, fitava a jovem. A seus olhos aquela silhueta era uma visão de consolo abundante; um sonho; uma droga; uma cura. Algo que desconhecemos, mas que se sabe que temos de ter. Contudo, a perseguição do olhar de Fausto impedia a jovem de mergulhar na imensidão do sono.

- Então porque abandonaste tu os estudos?

- Fujo de uma maldição – suspirava Fausto enquanto rebolava a cara na direcção oposta – Ambos os meus pais morreram. Meu pai era doutor; minha mãe era apenas apaixonada pela vida. Todavia, o meu pai antes de morrer já morria de ganância e gula. Desejava sempre mais e morreu com os seus troféus na mão, sozinho. Eu realmente não sei o que é uma alma, mas sei que alguém com tanta indulgência de sua própria pessoa deve deteriorar aos poucos por dentro.

- E isso fez com que deixasses os estudos?

O que Maria não percebia era que o infame Doutor Fausto apanhou-se na busca por uma superioridade intelectual. Não bastava decorar a gramática básica que enfiavam nas cabeças dos académicos de medicina. É-se necessário saber mais. É-se necessário ser melhor. E a sua auto-destruição deveu-se à sua ambição de adicionar mais um «sapiens» a sua pessoa. E esta droga era tanta, que o filho ilegítimo do Doutor criou uma repulsa aos princípios do infame. Mas aí não existe uma reacção em cadeia complexa. A necessidade do adolescente se afastar dos princípios incutidos corre no sangue juvenil encardido de insolência. Mas pouco o jovem sabe da sua predestinação. Seja lá o que for uma alma, a de Fausto será colhida e violada nos confins da escuridão. E a sua droga encontrava-se colada na palma da sua mão morna. Fausto; perdido por uma Amazona do pântano. Se teu pai te visse agora, ó tu que te proclamas salvação de um degenerado. Mas não vê. Porque não é mosca como eu. Descansa agora, Fausto. Poucos têm o luxo de terem uma linha traçada com antecedência. Adormece com a tua perdição nos braços, porque o resto já não te pertence.

E foi isso que fez. Descansou a humidade dos seus olhos esbugalhados, não sabendo que se encontrava cego por uma das partidas mais velhas do destino.

2 comentários:

  1. Adoro mesmo os teus textos, tens uma imaginação fantástica, como já deves saber...
    Posso estar enganada mas este texto pareceu-me bastante inspirado!

    Parabéns, continua. ;)*

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  2. curti ,tem talento,ainda só li:

    TOSTAS MISTAS ou: partilhando lençóis com o bastardo do homem que vendeu a alma

    ficou me na cabeça esta frase:
    ´´Desejava sempre mais e morreu com os seus troféus na mão``
    fez me pensar nesta musica:
    http://www.youtube.com/watch?v=clq01TXQR0s
    mas hei de ler os outros textos!
    Abraços!

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