PRÓLOGO ou: O pântano não é, sem dúvida, o sítio mais iluminado

Percorro mais uma vez a cidade, flutuando por cima do cinzento tépido da metrópole. Sou uma nuvem. Já fui gente, mas agora sou uma nuvem. Não existe maior estímulo do que o de saber. Quando se sabe, sente-se um alívio esclarecedor que cinge todo o corpo do pensador, acendendo um caminho iluminado em direcção a mais perguntas. E não existe nada mais desesperante do que encontrar a Verdade pois a Verdade é ópio do Homem. Quando alguém persegue a Verdade persegue com o intuito de encontrar a lâmpada. De se envolver na lâmpada. Aquela ideia de que tudo se vai tornar mais claro quando se acende. Mas todas as lâmpadas precisam de um interruptor. Interruptores são fáceis de encontrar. Estão por todo o lado. Olhamos para o lado e encontramos pregoeiros que adoram o som da sua própria voz; cartazes rasgados de slogans desajustados; fé distribuída em pequenas doses de cocaína e o filho da puta ao nosso lado no metro que simplesmente não consegue estar calado. O gerador desta cidade é claramente uma fonte de energia bastante poluente.

Infelizmente, o pântano é um nicho peculiarmente escuro. É um vazio enorme que percorre a humidade do ar e as lágrimas de Maria da Luz quando viu que o seu único interruptor se encontrava permanentemente inalcançável, jazida na sua cama, onde se encontrava nos últimos dias. Quando se tem dezassete anos e não se conhece mais ninguém para além da avó, o sentido perde-se. Quem estivesse nos arredores ouviria soluços longos e tenebrosos de uma infanta perdida. Contudo, ninguém passa por ali. Apenas o médico que esclareceu a Maria da Luz o que ela já sabia. O mesmo médico que levou o interruptor da jovem que se encontrava num labirinto existencial.
Maria da Luz não conheceu os pais. Morava num barracão isolado com a avó que acolheu-a com uma cama pequena, duas refeições quentes e todo o seu pouco conhecimento. E Maria da Luz absorvia tudo o que lhe era dito. Para além disso, o barracão tinha uma estante com livros, entre eles um atlas que Maria da Luz adorava ler durante tardes a fio. Até decorou as bandeiras de todos os países. Mas agora não tinha ninguém. Mas onde uma luz se apaga, outra acende-se. E daí, aparece uma luz pela porta do barracão. Era alto com um sobretudo claro que escondia o resto do corpo. Tinha um bigode saliente e bem aparado e uns olhos escuros e cerrados de todos os gases do pântano. Não disse muito, mas quando se diz que se conhece a sua avó e que tem um sítio para ela ficar, não é preciso dizer muito. Então, Maria da Luz saiu pela porta pela última vez e nunca mais pôs os pés no pântano. Poucos minutos depois descobriu que era o tio. A avó havia referido vagamente. Disse-lhe que tinha uma neta mais nova mas que nunca a vira e ela também não fez questão de saber mais. Pouco saberia que era com eles que iria permanecer.

E com isto já passaram cinco longos anos de adaptação no labirinto metropolitano. Contudo, sabendo que Maria da Luz teria mais uma lâmpada para lhe guiar o caminho alivio-me. E, só assim, desvaneço no ar e descanso em paz.

1 comentário:

  1. Sabes que adoro este Prólogo.
    É mesmo impressionante e bonita a forma como escreves, gosto imenso desta tua prosa, esta sim, com muita muita estética. :)
    A mim resta-me a minha poesia, espero eu, sempre frenética!

    Boas inspirações colega de blogger!

    (continuarei a ler e tu continua a escrever)

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